O Zé da Cercada, trabalhou no Estaleiro, toda a sua vida, provavelmente, creio eu, desde a sua fundação em 1944.
Começou ainda garoto, para escapar ao trabalho agrícola, e só acabou, quando a saúde e a velhice, já não o deixavam fazer o que mais gostava. Ir para o Estaleiro. Afinal, em todas as famílias da região de Viana do Castelo, havia um ou mais trabalhadores daquela respeitada empresa, e era com orgulho que se referiam ao seu “Estaleiro”. O Zé, falava dele com um brilhozinho nos olhos. Gostava do que fazia, era pintor. Passava dias, nos porões, a tratar a chapa, a dar-lhe cor, e mesmo quando estava dias sem ver a luz do sol, trazia consigo no regresso a casa, a alegria do convívio com os colegas, do trabalho feito nesse dia, nos imensos compartimentos da obra onde orgulhosamente trabalhava.
Todos os dias o Zé, homem simples, envergando o seu fato de trabalho, carregava a lancheira, com o magro almoço, preparado pela Rosalina. Lembro-me, apesar de ser ainda criança, de algumas vezes ter jantado em casa deles, aquele arroz de tomate…, o mesmo que o Zé levaria no dia seguinte na tal lancheira. Nunca nenhum arroz me soube tão bem…talvez por ser acompanhado por histórias do dia de trabalho, onde havia muita gente e aconteciam muitas coisas, contrariamente à aldeia, onde a pacatez reinava e onde as conversas eram pouco diversificadas.
Sempre que um navio ficava pronto, o relato da partida era feito pelo Zé com minúcia. E foram muitos que o Zé viu sair, da doca do Estaleiro, rumo às águas dos rios, mares e oceanos.
Um dia, foi o Zé que partiu, Consigo levou muitas histórias que não foram escritas, de vivências e acontecimentos sobre o seu Estaleiro. Eram quase todas as que eu conheci, histórias felizes.